Royalties dos Alimentos

Perdura ameaça ao agronegócio

Sem consenso do governo sobre a posição brasileira em relação ao tratado, Junji e integrantes da bancada ruralista estão apreensivos com prejuízos do acordo ao País

04/04/2013


Foi um dia inteiro de discussões sem que houvesse, ao final, um consenso sobre a posição brasileira em relação ao Tirfaa – Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e para a Agricultura no contexto do Protocolo de Nagoya sobre a biodiversidade. “Ficou transparente que o risco de o Brasil se transformar no maior pagador mundial de royalties de alimentos é uma realidade. O governo não tem parecer definido. A representação dos interesses da agropecuária está descoberta, sem a participação do Ministério da Agricultura”, protestou o deputado federal Junji Abe (PSD-SP), ao afirmar que a coordenação do processo está a cargo do Ministério das Relações Exteriores, “alicerçado tão somente” nas informações da Pasta do Meio Ambiente.

As considerações de Junji foram feitas durante a audiência pública realizada na Câmara nesta quarta-feira (03/04/2013). Os ministros das três áreas não compareceram. Mandaram representantes que não chegaram a um acordo a respeito da posição a ser defendida pelo Brasil na reunião da FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, marcada para o próximo dia 15, em Roma. O encontro servirá para analisar o Tirfaa, do qual o País faz parte desde 2008.

O ponto de convergência se deu em torno da necessidade de ampliar a abrangência do tratado que, atualmente, envolve apenas 65 cultivares – sementes de plantas melhoradas geneticamente – e exclui espécies importantes para o agronegócio nacional como soja, algodão café e cana de açúcar.

Junji frisou que mais de 90% dos alimentos consumidos no Brasil derivam de espécies exóticas (não nativas). Como exemplos, ele citou arroz, feijão, saladas, verduras e legumes, todas as espécies animais de criação e a produção nacional de biocombustíveis. Micro-organismos usados na fabricação de pão, láteos, vinho, cerveja e quase todos os alimentos com processos biológicos também vêm de outros pontos do mundo.

O Tirfaa prevê que cada signatário possa acessar e fazer uso de um banco de cultivares compartilhado para fins de pesquisa e melhoramento genético. Se um país produzir melhoramentos em uma variedade que integra o tratado e, em seguida, decidir restringir a aplicação da nova variedade por meio de patente, ele fica obrigado a pagar uma compensação ao sistema multilateral composto pelas demais nações integrantes. Por outro lado, se a inovação for disponibilizada a todos os membros, quem desenvolveu fica dispensado da repartição de benefícios.

Junji e integrantes da bancada ruralista defendem o aumento na abrangência do sistema multilateral até incluir todas as espécies vegetais destinadas à agricultura e alimentação. Eles também são favoráveis à elaboração de novos tratados com os recursos genéticos das espécies animais, micro-organismos, florestais e peixes, sempre que se destinarem à agricultura e à alimentação. “Caso contrário, nosso País ficará só pagando royalties dos alimentos e terá sua agropecuária travada”, advertiu o deputado.

Autor do requerimento de audiência pública na Capadr – Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) concordou com Junji e destacou a importância de definir a posição brasileira sobre o Tirfaa antes que o País ratifique os termos do Protocolo de Nagoya. A matéria trata do mesmo tema e espera aval do Congresso.

“Não procede a afirmação de que o Congresso Nacional dará a última palavra sobre o tratado. Episódios como o Código Florestal e a redistribuição dos royalties do petróleo são provas inequívocas de que o Poder Executivo é um verdadeiro rolo compressor. Age de forma unilateral e ditatorial, não proporcionando aos congressistas oportunidades para modificar, subtrair, acrescentar ou aprimorar proposituras de interesse da coletividade”, reagiu Junji, refutando a argumentação do representante do Ministério do Meio Ambiente de que o fato de o Brasil fazer parte dos acordos internacionais não obriga o País a cumpri-los até que o governo referende o tema, após decisão dos parlamentares.

O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Brandão Cavalcanti, havia alegado que as preocupações dos ruralistas são “exageradas e equivocadas”, porque a matéria está em exame no Parlamento que tomará a decisão final. Irritado com a argumentação, Junji disse que a diretriz de os poderes serem independentes e autônomos, porém, harmônicos, está expressa apenas na Constituição Federal de 1988. Na prática, completou, vale o processo político-partidário e administrativo que o governo impõe ao Congresso Nacional.

Segundo Junji, o Congresso enfrenta uma “situação profundamente vexatória, que transforma o Parlamento num mero puxadinho do Executivo e carimbador de seus interesses”. O deputado acentuou que o governo não reconhece a importância do agronegócio para a Nação. “Por isto, nos sentimos extremamente pessimistas, mesmo diante das discussões do Tirfaa que, segundo técnicos do governo, são o fórum para a solução dos impasses no que tange à repartição dos conhecimentos e propriedade dos recursos genéticos”.

O assistente do Consultor Jurídico do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Márcio Antônio Teixeira Mazzaro, compartilhou do entendimento de Junji de que as tratativas por meio da FAO podem funcionar como salvaguarda para o agronegócio em relação a possíveis consequências da ratificação, pelo Brasil, do Protocolo de Nagoya. “A simples ratificação desse protocolo poderá provocar uma limitação no intercâmbio de germoplasmas (sementes) entre países, trazendo riscos à segurança alimentar e impondo barreiras às exportações ligadas ao agronegócio”, endossou.

Diferentemente do Tirfaa, que atua somente na área da agricultura e de alimentos, o Protocolo de Nagoya foi firmado em 2010 e reconhece a soberania de cada nação sobre todos os recursos naturais existentes em seu território. De acordo com o documento, se o Brasil usar uma variedade de soja da China como base para criar nova variedade, terá de pagar uma porcentagem como royalties, seguindo a legislação do país de origem. O procedimento vale para todas as variedades criadas a partir da ratificação do protocolo, mas permite exceções no caso de acordos específicos para determinados cultivares, como o Tirfaa.

Daí, ponderou Junji, a importância de o governo manifestar sua posição oficial desde já, nas discussões do Tirfaa. “Imagine você precisar de autorização prévia para desenvolver de dez variedades de soja até produzir uma variedade resistente à ferrugem. É absolutamente inviável”, concordou Mazaro. O deputado assinalou que a grande preocupação dos ruralistas é que o Ministério da Agricultura não esteja sendo ouvido na condução do processo.

Meio Ambiente
Enquanto o Ministério da Agricultura defende a ampliação da abrangência do Tirfaa – Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e para a Agricultura a todas as espécies utilizadas pelo País, a Pasta do Meio Ambiente foca seus esforços na implementação do Protocolo de Nagoya para incluir animais, pescados e fitoterápicos usados na indústria farmacêutica.

O deputado federal Junji Abe apoiou a iniciativa de proteger o acesso aos recursos da biodiversidade brasileira, evitando que empresas farmacêuticas continuem explorando espécies sem que o Brasil receba compensação financeira. “Porém, isto precisa ser feito sem ignorar o agronegócio, garantindo a efetiva participação do Ministério da Agricultura no processo”.

Igual parecer manifestou o consultor da CNA – Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil, Reginaldo Minaré. Temendo os efeitos da aplicação do Protocolo de Nagoya, ele também propôs a inclusão de salvaguarda no Tirfaa, a fim de garantir o acesso a variedades exóticas importantes para o agronegócio nacional.

No encontro, o secretário de Biodiversidade e Florestas, Roberto Brandão Cavalcanti, antecipou que o do Ministério do Meio Ambiente estuda uma maneira de atualizar a legislação brasileira sobre o acesso a recursos genéticos. Hoje, a Medida Provisória 2.186/01-16 estabelece que para acessar e promover pesquisas com recursos naturais da biodiversidade brasileira, o interessado precisa de autorização prévia. Entretanto, informou ele, há muitas críticas quanto à dificuldade de iniciar trabalhos de pesquisa e exploração destes itens. O processo leva cerca de quatro anos e estimula a atuação irregular.

Para tentar conciliar as opiniões dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente sobre o Tirfaa, o deputado Valdir Colatto sugeriu um novo encontro, antes da reunião em Roma, a ser coordenado pelo Itamaraty. Também participaram da audiência pública a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e o ministro Paulino Franco de Carvalho Neto, chefe da Divisão de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, além de outras autoridades e lideranças da sociedade civil.


Mais informações:

Mel Tominaga
Jornalista – MTB 21.286
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