PEC 215/2000

Junji coordena debate

Lideranças e especialistas divergem sobre soluções para demarcação de terras indígenas na conferência paulista, onde entidades representativas dos índios não quiseram comparecer

09/06/2014


Com posições conflitantes quanto à legalidade da PEC – Proposta de Emenda à Constituição 215/2000, que atribui ao Congresso Nacional a autorização das demarcações de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, lideranças e especialistas participaram da conferência promovida, nesta sexta-feira (06/06/2014), no Auditório Paulo Kobayashi da Assembleia Legislativa de São Paulo. Coordenado pelo deputado federal Junji Abe (PSD-SP), o evento foi o oitavo realizado no País, desde 2013, pela comissão especial encarregada de analisar a matéria. A exemplo do que ocorreu nos demais estados, o debate paulista não teve a participação de entidades representativas dos índios, que se recusaram a comparecer.

Ocupando o cargo de 3º vice-presidente da comissão, Junji abriu a conferência esclarecendo que o objetivo dos debates é a coleta de subsídios para a emissão do parecer pelo colegiado. As audiências já passaram pelos estados de Santa Catarina, Pará, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e Minas Gerais.

Dando a tônica que virou consenso na conferência, Junji evidenciou que ninguém é contrário à comunidade indígena. “Tão brasileiros quanto nós, os índios merecem nosso reconhecimento e respeito. Porém, precisamos ter no País, uma política indigenista de verdade, que resguarde seus direitos e proporcione atendimento digno em saúde, educação, segurança e outros serviços. O sistema atual, concentrado na Funai (Fundação Nacional do Índio), não faz isto e só fomenta confrontos”.

Não será a demarcação de terras que solucionará tantas deficiências, como apontou o desembargador federal do TRF3/SP – Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Luiz Stefanini. “Não faz mais sentido a separação entre índios e brancos. As pessoas são diferentes no DNA. O que pesa no quadro é a situação socioeconômica”, defendeu.

Brasil e Cuba foram os dois últimos países do mundo a abolir a escravatura, como rememorou o desembargador. “Nossos brasilíndios não são reconhecidos como cidadãos brasileiros. Na verdade, são tratados como subpessoas”. Ocupam as áreas, mas não desfrutam delas, porque não tem o direito fundamental sobre as terras demarcadas, conforme explanação de Stefanini. “Arado, trator e qualquer outro equipamento que utilizam não lhes pertence. É tudo da Funai. Não podem vender nada porque nada é seu. Vivem de fazer escambo”.

A política indigenista brasileira não reconhece a capacidade dos índios de gerir suas vidas. Segundo o desembargado, prefere mantê-los sob tutela permanente, com o argumento de incapacidade intelectual presumida. “Não lhe dá direitos, priva os indígenas do acesso a serviços essenciais e simplifica a gravidade desta postura no embate quanto às terras”, apontou.

Como exemplo de que a comunidade indígena deveria ser reconhecida e estimulada a ter conquistas reais, o desembargador citou o caso dos kaiowás nos EUA. Eles habitavam Oklahoma. Foram levados para reservas indígenas. Porém, com disponibilidade dos bens lá colocados. Resultado: trabalharam, enriqueceram e compraram de volta pradarias que lhes pertenciam originalmente. Não bastasse, encontraram grandes poços de petróleo no local. Stefanini manifestou-se a favor da PEC, como um mecanismo democrático para as demarcações e ferramenta para começar a reestruturar a política indigenista.

Renomado jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP – Universidade de São Paulo, Dalmo de Abreu Dallari, focou sua exposição na defesa da inconstitucionalidade da PEC 215/2000. Segundo ele, a proposta traz três pontos que confrontam a legalidade. O primeiro é a violação do princípio de separação de poderes. “A demarcação é função essencialmente administrativa. Portanto, de competência do Poder Executivo”, argumentou, enumerando que o Congresso não dispõe de elementos, pessoal especializado e equipamentos para dar conta da atribuição.

Na sequência, Dallari apresentou os demais pontos. Ele disse que a PEC ofende a inviolabilidade do ato jurídico perfeito, porque inclui a revisão de demarcações já homologadas. Ainda por este motivo, completou o jurista, fere o direito adquirido pelos índios em relação às terras que tradicionalmente ocupam. “Não tenho a pretensão de ser o dono da verdade, mas acredito no que disse o Papa João XXIII de que a Justiça é o novo nome da paz”.

Relator no grupo especial criado para avaliar a PEC 215/2000, o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR) afirmou que era um privilégio participar de um evento coordenado por Junji, “por quem tenho tamanha admiração pela sua conduta, história e seriedade na busca de conciliação”.

Serraglio esclareceu que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara já eliminou da proposta original o trecho que previa a confirmação das terras já homologadas. O colegiado analisa o objetivo da matéria de atribuir competência ao Poder Legislativo para homologar e aprovar as demarcações das áreas indígenas, assim como definir, em lei, os critérios e procedimentos a serem observados.

Contrariando a posição de Dallari quanto à constitucionalidade da PEC, Serraglio defendeu que a PEC viabiliza a ocupação de terras pelos índios, dentro dos princípios constitucionais. “A situação vigente afronta a Constituição em função da atuação arbitrária da Funai”, observou, ao citar a alta incidência de confrontos e o volume colossal de pendências nos tribunais.

Para o relator, a PEC leva a matéria para o Congresso que, como representante da população, é o local adequado para a discussão. A proposta acaba com a tutela perpétua do governo sobre as terras dos índios e ainda evita a judicialização do território demarcado. “No fundo, a PEC quer constitucionalizar o que o STF (Supremo Tribunal Federal) diz estar na Constituição, mas ninguém obedece”.

Quanto à alegada quebra do princípio de separação dos três poderes, Serraglio declarou que esta interpretação é equivocada. “O Executivo faria tudo o que tem que fazer, com seus técnicos e equipamentos. No final, assim como acontece com as concessões de rádio e televisão, ouve o Congresso, que representa o povo brasileiro", exemplificou, insistindo que a PEC não viola a Constituição.

Já o procurador Walter Claudius Rothemburg, que representou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, compartilhou da opinião de Dallari, manifestando-se contra a PEC 215. “Se o Parlamento resolve encampar a avaliação técnica e assumir ações administrativas, o que sobraria para o Executivo?”, questionou, alertando que a aprovação da matéria poderá levar o Brasil a violar compromissos internacionais assumidos com a OIT – Organização Internacional do Trabalho e com a ONU – Organização das Nações Unidas.

Angelo Munhoz, diretor da Faesp – Federação da Agricultura do Estado de São Paulo frisou que “o agronegócio não é inimigo dos povos indígenas”. Em que pese os índios já terem direito sobre terras em volume 100 vezes maior que os não indígenas, o que os produtores rurais necessitam é de segurança jurídica. “Somos a favor da PEC 215 porque queremos participar da discussão e não sermos alijados pela decisão soberana da Funai”.

Ao final do evento, Junji avaliou como “muito produtivo” o encontro. “Estamos colhendo subsídios. A ideia é garantir plena representatividade de indígenas, produtores rurais, das comunidades envolvidas. Vamos reunir o material e analisar cada ponderação”, observou. O deputado também agradeceu a presidência e todos os parlamentares da Assembleia Legislativa de São Paulo, assim como Ana Luzia e Edson Serbonchini, do Cerimonial da Casa.

Boicote
Apesar de convidadas pela comissão especial encarregada de avaliar a PEC 215/2000, as lideranças indígenas recusaram-se a participar da conferência paulista. Ao invés de irem ao debate, cerca de 150 guaranis de aldeias localizadas na cidade de São Paulo preferiram sair às ruas em protesto contra a proposta, munidos de arcos, flechas e cartazes.

Acompanhados por integrantes do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, do MPL – Movimento Passe Livre e do Comitê Popular da Copa, o grupo gritou palavras de ordem contra a PEC e hostilizou autoridades e políticos, que acabaram malhados feito Judas.
De acordo com o deputado federal Junji Abe, foram convidados para explanação, mas não compareceram, representantes da Funai – Fundação Nacional do Índio, do Cimi - Conselho Indigenista Missionário, do CTI - Centro de Trabalho Indigenista e do Instituto Socioambiental, entre outros.

Leia mais sobre o modelo vigente e denúncia de fraudes


Mais informações:

Mel Tominaga
Jornalista – MTB 21.286
Tels: (11) 99266-7924 e (11) 4721-2001
E-mail: mel.tominaga@junjiabe.com