PEC 215/2000

Advogado condena modelo vigente

Especializado em Direito Agrário, Rudy Ferraz, diz que produtor não tem a menor chance de contestar decisão da Funai, porque é a própria fundação que analisa e julga os recursos

09/06/2014


O atual modelo para identificação e demarcação de terras indígenas mereceu duras críticas do advogado especializado em Direito Agrário e consultor jurídico da FPA – Frente Parlamentar da Agropecuária, Rudy Maia Ferraz. Ele foi um dos expositores da conferência paulista sobre a PEC – Proposta de Emenda à Constituição 215/2000, coordenada pelo deputado federal Junji Abe (PSD-SP), na Assembleia Legislativa de São Paulo.

No procedimento repudiado por Ferraz, norteado pelo Decreto 1775/96, a decisão fica a cargo da Funai – Fundação Nacional do Índio que elabora um relatório antropológico para identificação e delimitação da área pleiteada pela comunidade indígena. O processo corre em sigilo até o término dos estudos e publicação das conclusões. Então, começa o prazo de 90 dias para manifestação dos interessados, exclusivamente quanto a indenizações ou eventuais vícios formais do processo.

A única oportunidade de voz dada à comunidade não indígena é depois da conclusão do estudo antropológico. E, mesmo assim, não são aceitos questionamentos de mérito ou em relação à oportunidade e razoabilidade da demarcação. O processo de elaboração do relatório antropológico ignora aspectos socioeconômicos, políticos, de desenvolvimento regional e também não analisa a conveniência de comprometer extensas áreas do território nacional, além de excluir totalmente a participação do Poder Legislativo.

Terminado o prazo, é a própria Funai que aprecia as manifestações das partes. “Como a Funai tem como competência proteger os direitos dos povos indígenas, teria de haver outra estrutura para dar um parecer definitivo sobre a questão”, observou Ferraz. A etapa seguinte cabe ao Ministério da Justiça que edita portaria declarando os limites de terra indígena e determinando sua demarcação. Por fim, o processo é submetido ao presidente da República para homologação por decreto.

Para dimensionar a gravidade da insegurança jurídica, o especialista disse que os produtores afetados pelas decisões da Funai não recebem qualquer notificação. “Do nada suas áreas, com certificados centenários de propriedade, são reivindicadas como terras indígenas”. Para saber com um pouco de antecedência, explicou Ferraz, eles teriam de acompanhar, diariamente, o DOU (Diário Oficial da União), a fim de verificar se seus nomes constam na lista da Funai.

Outro ingrediente insípido – e inacessível para pequenos produtores – são os custos com a contratação de advogado e de um antropólogo para preparar o chamado contra laudo. Ou seja, contestar o relatório usado pela Funai para classificar determinada área como de ocupação tradicionalmente indígena. “Além de tudo ser muito caro e o prazo para contestação ser irrisório, é a própria Funai que analisa e julga”.

Se o assunto é indenização ao produtor, o advogado disse que, na prática, isto não acontece. “O governo não indeniza a terra nua. Só as chamadas benfeitorias de boa fé”. Entretanto, prosseguiu, a Funai alega que o produtor poderia saber que o local seria reserva indígena. Logo, concluiu, se fez benfeitorias, não foi de “boa fé”. O agricultor é classificado como intruso. Tanto que, quando ocorre a conversão do território em reserva indígena, diz-se que as famílias residentes serão “desintrusadas”.

O resgate do marco temporal de 05 de outubro de 1988 para avaliação das demarcações de terras indígenas é uma das ações reivindicadas pelos produtores para combater conflitos. O advogado pontuou que só deve ser considerada terra indígena aquela onde havia índios em 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada. Da mesma forma, nenhuma nova delimitação de território exclusivo dos indígenas poderia ter ocorrido sem provas consistentes de ocupação da área por índios naquela data.

Esse entendimento foi confirmado pelo STF – Supremo Tribunal Federal, mas segundo o advogado, é ignorado pela Funai. “Se determinada área ficou pequena para uma comunidade indígena, caberia ao governo federal adquirir terras vizinhas pagando valor de mercado. Isto viabilizaria a ampliação de reservas indígenas, sem qualquer conflito”.

Coordenador do evento, o deputado federal Junji Abe (PSD-SP) declarou que não teria havido o acirramento dos conflitos entre produtores e índios, “se parcelas do governo tivessem mantido a Portaria 303/2012”. A norma regulamentava a decisão tomada pelo STF, estendendo para todo o País as 19 condicionantes adotadas pela Corte no caso Raposa Serra do Sol, em Roraima – julgamento da Petição 3.388-RR, de iniciativa popular.

Editada pela AGU – Advocacia Geral da União e, posteriormente, suspensa pelo próprio órgão, após pressão de movimentos indigenistas, a portaria não criava qualquer regra nova. Apenas padronizava as já existentes para atuação de órgãos da União de acordo com as definições do STF. Também vetava a ampliação de terras demarcadas, assim como autorizava o governo a construir rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia e instalações militares dentro das aldeias sem autorização da comunidade indígena que vive ali. “Além de impedir a oferta de uma série de serviços imprescindíveis à sociedade, a suspensão da portaria não beneficia nem as comunidades indígenas que ficam privadas de saúde, educação e segurança, entre outros benefícios”, lembrou Junji.

A norma da AGU também assegurava a “participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em seus territórios”. Junji disse que era “um canal para dar voz à comunidade não indígena, integralmente excluída” do processo.

O relator da comissão especial da PEC 215, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) disse não ser possível acreditar que a sociedade urbana “fique alheia à injustiça praticada contra brasileiros, pequenos agricultores que cultivam áreas de 5 a 10 alqueires e estão sendo jogados à beira da estrada”. Ele lembrou que há assentamentos de reforma agrária sendo desbaratados por conta de “duvidosos laudos antropológicos da Funai” que indicam as áreas como território indígena.

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Mel Tominaga
Jornalista – MTB 21.286
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